quinta-feira, abril 29, 2004

MEMÓRIAS FELIZES



Hoje estou a ser invadida por uma onda de Nostalgia. Trouxe-me a lembrança da infância que vivi na aldeia dos meus Avós. Infelizmente, perdi-os a todos muito cedo, mas a minha memória fez questão de guardar muitas das horas que passei com eles. Basta fechar os olhos e vejo passar imdediatamente pela minha frente rostos, cores, cheiros e muita doçura.
Lembro-me da azáfama todas as sextas-feiras, o fazer apressado das malas e o atafulhar do porta-bagagens com todos aqueles brinquedos que não podem ficar orfãos por um fim-de-semana sequer. "Despachem-se. Vocês são sempre a mesma coisa. Tens que trazer a casa às costas?".

À noitinha lá chegávamos. Sabia todas as curvas de cor. A minha avó Palmira, linda, de traços fortes marcados pelo tempo, lá nos recebia com toda a simplicidade e generosidade que lhe eram típicas. Era uma pessoa doente, mas de uma alma enorme. O meu avô Virgílio, era um homem austero, mas para os netos era de uma ternura indescritível.
Sentávamo-nos todos à mesa. Pais, Avós, Tios e Primas. Lembro-me de uma constante do menu que destestava: sopa de favas. O que eu daria hoje por um prato daquela sopa...
Lembro-me também que, como não havia banheira, a minha mãe aquecia a água para o banho num fogo feito num anexo da casa, com as paredes todas fuscas, lugar onde provavelmente a minha avó fazia aqueles chouriços e aquela broa inconfundíveis. Deitavam a àgua para um enorme alguidar azul e ali me banhavam. Nunca gostei de nenhum jacuzzi mais do que gostava daquele alguidar...
Na hora de dormir reuníamo-nos as quatro, eu, a minha irmã Carla, a Ana e a Lili. As minhas primas tinham casa a poucos metros dali, mas dormíamos juntas, todas na mesma cama, duas viradas para os pés, outras duas para a cabeceira. Só pelo prazer de conversarmos. De disparatarmos.

Durante o sábado, éramos o diabo. Subíamos ao telhado, trepávamos a uma figueira enorme, que ainda hoje lá está, admirávamos as cabras que pastavam num dos terrenos. Nesse terreno havia também um velho carro do meu tio Fernando, branco e verde-água, completamente abandonado e literalmente entregue às cabras. A imagem de um dos bodes especado no banco do condutor jamais me abandonará...
Se tivesse que resumir todas estas memórias numa só palavra, seria obrigada a escolher Inocência. Só somos verdadeiramente felizes quando somos inocentes. Quando achamos que todas as pessoas do mundo são boas e a vida se resume a isto. Felicidade. Para sempre.

Hoje o meu pai chegou a casa a dizer que há gente interessada naquelas propriedades. Na casa.
"Deita-se aquilo a baixo e faz-se umas geminadas...", dizia ele à minha mãe.

Morri um pouco.

"Não vos custa desfazerem-se assim de tudo?" Perguntei eu.
"Custa, mas que queres fazer? Queres comprar?"

E compraria, se tivesse dinheiro.
Gostava que os meus filhos um dia pudessem subir à figueira, ao telhado da casa e rir-se do bode ao volante como eu me ri. Quem sabe?
Esta semana vou jogar no totoloto...


CONSULTA OFTALMOLÓGICA



Um dia ainda hei-de acordar e perceber que cresci. Há determinadas facetas da minha personalidade que me deram, dão e pelos vistos dar-me-ão muitos desgostos ainda. Apetece-me gritar, apetece-me bater contra as paredes. Porque é que eu espero tanto das pessoas? Porque é que eu faço castelos no ar? Porque é que eu acho que a falar é que as pessoas se entendem? Porque é que eu acho que sou importante para elas?
Porque padeço de uma cegueira emocional que não me deixa enxergar muito longe.
Mas o blog existe para me proporcionar a graduação exacta para este meu problema de alcance:

Não esperes tanto das pessoas.
Não faças castelos no ar.
Nem sempre as pessoas se entendem na base da conversa, às vezes, simplesmente é tarde demais.
Não tens, para algumas pessoas, a importância que julgas ter.
Não te humilhes. Não mendigues. Nunca mais.


Depois de ter relido algumas vezes este recado a mim mesma, espero acordar amanhã com uma visão reforçada.

*Blog auto-análise. Poupa-se uns trocos no especialista. Perde-se a oportunidade de gritar isto tudo na cara de alguém.


PORTUGAL 4 - SUÉCIA 0



O jogo de hoje deixou-me doente. Já não consigo enervar-me, nem tão pouco entristecer-me, com os resultados desta selecção, mas para uma pessoa que, como eu, gosta de futebol e puxa pelo seu país não deixa de sentir um certo desgosto, principalmente quando recua alguns anos na memória.

A minha paixão pelo futebol nasceu há mais ou menos doze anos. Andava no ciclo e tinha uma colega de turma que era fanática pelo Benfica, nomeadamente pela dupla Yuran e Kulkov. Ah! E pelo Vítor Gamito, mas isso não vem muito a propósito... Adiante.
Em pouco tempo, mais de metade da população feminina daquela sala estava contagiada pela febre da BB (Beta Bruta, era como lhe chamávamos). Eu que até então, não via especial piada a "vinte e dois homens a correr atrás de uma bola" (expressão que hoje em dia me revolve as entranhas), rendi-me aos encantos do Desporto Rei. Forrei as paredes do quarto com posters do Benfica (paredes meias com os do Axl Rose e do Jon Bon Jovi).
Com poucos meses, e alguma formação intensiva, entrei no mundo dos bitaites, dos treinadores de bancada. O meu pai é que adorava. De repente, tornei-me no filho que ele nunca teve. Mas até hoje nota-se um certo desconforto na sua atitude. Nunca me fez sócia da Académica, como havia prometido ao seu filho-macho que viesse a nascer. É compreensível a sua atitude. Afinal de contas eu sou mulher, nunca poderia perceber muito de futebol...

Enfim, o melhor estava para vir. A parte mais divertida foi quando eu achei que, para além de perceber de futebol, também sabia jogar... Como entretanto esta febre já se havia espalhado por uma série de raparigas do meu ano, decidimos juntar-nos e formar a equipa de futebol feminino do desporto escolar lá do ciclo. Tenho a dizer que foram dos melhores anos da minha vida. E a verdade é que, à custa de muito treino, até dávamos uns toques. Víviamos autenticamente para aquilo. Perdíamos sempre nas finais dos campeonatos. E chorávamos copiosamente. Era como se nos estivessem a negar um futuro. Pena que depois veio a estúpida adolescência e me arrancou tudo isto que eu tanto amava. Odeio a adolescência.

Tudo isto para dizer que, infelizmente, eu ainda cheguei a viver o tempo em que, para os jogadores, ir à selecção era o expoente máximo das suas carreiras. Choravam de emoção. Davam o litro. Não tínhamos um punhado de estrelas espalhadas pelos melhores clubes da Europa. Com pena nossa, não tínhamos as equipas nacionais tão bem classificadas nas competições da UEFA. Também não tínhamos grandes resultados enquanto selecção A, mas corríamos, suávamos.
Brio. É o que falta a estes rapazes. E a mim faltam-me as forças para continuar a acreditar neles...

quarta-feira, abril 28, 2004



Começo a ficar um pouquinho exausta desta rotina semi-urbana. Levantar tarde. Almoçar e lanchar de seguida. Ir para o alpendre acompanhada da Patrícia Melo, a minha última descoberta literária. Ao fim de algumas páginas e de um grande banho de sol, passo para o sofá. Medíocre, a televisão portuguesa durante a tarde. E de manhã... e à noite... Enfim. Segue-se o jantar. Conversas em família. Despeço-me e vou tomar café à civilização. Saída furtiva que se resume à minha imensa dependência de nicotina. Gostava tanto de deixar de fumar, mas não tenho força de vontade. A ilusão de uma tenra idade vai-me enganando com o privilégio de poder sustentar este vício por mais algum tempo.
Ao fim da noite agarro-me a esta máquina, também ela viciante, e não adormeço antes de me cansar. Também aqui criei uma rotina diária. Mais do que blogueira, tornei-me numa criatura compulsivamente voyeurista. Há determinadas vidas que já se entranharam no meu-dia-a-dia, cujas rotinas não consigo deixar de consultar antes de dormir. É como se as conhecesse. Deliro com as suas vitórias e comovo-me com as suas frustações. E num gesto de puro egoísmo (e alguma timidez) não partilho o meu espaço com nenhuma delas. Nem poderia. Não é da minha natureza.

segunda-feira, abril 26, 2004

PORQUE VIESTE PARA FICAR



Recebê-la foi uma alegria. Mimá-la e passeá-la foi uma satisfação para quem a acompanhou nestes dias. Sempre tão espontânea. Sempre tão genuína. É um privilégio poder conviver com alguém que nos acarinha sem contrapartidas... Bem tão raro hoje em dia. Privilégio maior ainda foi poder vê-la partir com as lágrimas nos olhos e a cidade no coração. Os vitrais, as casinhas e a lua sobre o castelo jamais se esquecerão de ti. Da minha parte, terás sempre uma casinha El Mueble pronta para te acolher.


"VOCÊS ERAM AQUELAS TRÊS, NÃO ERAM?"



É a primeira foto da diva de regresso aos palcos. Foi o primeiro aroma de um mundo Rosa Carne. Um banho de talento, garra e generosidade. Eu estive lá. As gruppies estiveram lá. Justiça lhes seja feita: prestaram o devido culto que lhes foi exigido.
Ah, se algumas garrafas de água falassem...

quinta-feira, abril 22, 2004



"Dá-me ar
Dá-me espaço para respirar
Dá-me tempo para sofrer
Quero álcool para comer
Quero um muro para espancar
Até doer...

Dá-me ar
Quero vento para tentar
Quero luz só para me ver
Quero ferro para trincar
Quero olhar de frente o sol
Até queimar...

Dá-me ar...

Quero mais
Quero um trono para perder
Quero um quarto para gritar
Quero gente para roer
Quero um mundo para puxar
Até morrer...

Dá-me mais
Quero terra para beber
Quero Deuses para lutar
que o mais fácil é perder
que difícil é pensar
em acordar...


Dá-me ar...

Dou-te cor
Dou-te vidas para cantar
Dou-te raiva para dançar
por cima do que é meu
Dá-me ar."

(Sufoco) Dá-me ar , Toranja

segunda-feira, abril 19, 2004



Esta noite, assim como tantas outras, foi marcada por insónia seguida de desespero. O mal da arte de não se fazer nada na vida é este mesmo. Temos o espírito demasiado permeável. O pior é que pensar fragiliza.

Hoje sinto-me como o pobre Humpty Dumpty: prisioneira, oca e prestes a cair do muro a qualquer momento.

domingo, abril 18, 2004

"... E, AO SÉTIMO DIA, DESCANSOU..."


www.explodingdog.com

Não há dia mais detestável que o domingo. Desde pequena que o sinto e já me pude aperceber de que se trata de um fenómeno social. Poucas são as pessoas que gostam deste dia da semana. Muitas são as vítimas da depressão que lhe está associada. Apatia. É a palavra que melhor define este dia. Mas quando penso que nada mais pode correr mal, acordo e vejo que, para além de ser domingo, está a chover. Uma chuva molha-tolos. Expressão cretina. Então levanto-me e forço-me a fazer a minha vida normal. E até consigo, mas sempre apática. Não adianta lutar contra um domingo. Ele entranha-se-nos na pele e acaba sempre por nos derrotar.

BEATRIZ

(Bailarina, Edgar Degas)

"Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela mora no sétimo-céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que ela é louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz, se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida"

Chico Buarque e Edu Lobo

GAROTA DA PROVÍNCIA



Os dias passam e eu não posso fugir por muito mais tempo. Não sou cosmopolita. Não sou rural. Sou das entrelinhas. Prefiro as minhas ruelas estreitas e floridas às avenidas por onde todos passam, cospem e espalham as suas tristezas por não ter com quem as partilhar. O mal da Cidade Grande é esse mesmo. É muito Grande. Grande o suficiente para que se percam os convívios e as memórias de quem nela mora. Grande o suficiente para entristecer quem nela não quer morar.

sábado, abril 17, 2004

TUDO ESTÁ BEM QUANDO RECOMEÇA BEM



Há conversas que doem, mas não lhes podemos fugir. Há momentos estruturantes que configuram o resto das nossas vidas. Tivemos a coragem de pôr o dedo na ferida, de remexer no Passado para construir o Futuro. Entraste a medo e com os olhos perdidos, vidrados de susto. Saíste sereno e com a alma aconchegada, feliz até por estarmos ali, os dois, outra vez, como dantes.
Sinto-me bem comigo e contigo. Sinto-te aqui outra vez. Já nada é plástico. Somos reais.
É o reinício de uma bela amizade.

sexta-feira, abril 16, 2004

OXIGÉNIO



É tempo de voar.
Tempo de deixar fluir. Sonhos, ideias, mas sobretudo Verdade. Este é um blog de mim para mim. Não gosto de escrever, mas apatece-me falar-me.
Eis o meu primeiro sopro.
Já me sinto mais leve.